Começou mais ou menos em Maio. Os dias eram quentes e a janela do meu quarto estava sempre aberta, dia e noite. Quando vinha das aulas, às 7 da tarde, sentava-me a estudar na mesa de camilha em frente à janela que era de sacada com uma pequena varanda. Um dia, ela apareceu. Fiquei tão admirada que esfreguei os olhos devagar. Até sustive a respiração com medo de a assustar. Depois, respirei o mais silenciosamente possivel e comecei a falr com ela baixinho. Pareceu gostar do tom da minha voz porque ficou a olhar para mim, mansa, muito quieta, com a cabeça inclinada como se me estivesse a escutar.
Era a maior curuja branca que eu jamais vira e estava ali, à minha frente a admirar-me.
Sempre adorei curujas mas nunca tinha visto nenhuma de tão perto e, sobretudo nunca me passaria pela cabeça ver uma ali empoleirada no parapeito da varanda do meu quarto. Fugiu quando um dos meus filhos bateu à porta e – como de costume – mesmo antes de eu responder a abriu de um sacão.
Eu contei o que tinha acontecido mas ninguem acreditou...
- Pois Mãe, conte outra....uma curuja branca aqui em S. Amaro de Oeiras e na sua janela? Estava a dormir e sonhou isso tudo.
- Mas é verdade! Era uma curuja branca e poisou aqui. Eu não sonhei, estava a estudar e não a dormir.
Mas não houve processo de os convencer que era verdade. Eu própria comecei a duvidar do que vira e não falei mais do assunto.
Autor: Zica Cabral
Três ou quatro dias mais tarde, quando cheguei das aulas , pousei os livros em cima da mesa e, antes mesmo de me sentar, ouvi um esvoaçar pesado e... lá estava ela. Desta vez comecei a cantar baixinho e, depois, levantei a voz de modo a que os meus filhos me pudessem ouvir.
- Tenho uma curuja branca na minha janela, tenho uma curuja branca na minha janela, abram a porta devagarinho se a querem ver mas não façam barulho...
E cantei isto procurando uma melodia mais ou menos monocórdia para que a curuja não se assustasse mas, claro, as crianças excitadas abriram a porta com força e, aos berros, perguntaram onde estava a curuja. Ainda a conseguiram ver levantar voo e assim acreditaram no que tinha contado.
A partir desse dia as visitas eram diarias. Ficava 10 minutos, às vezes um pouco mais, dava uma volta por cima da minha mesa e ía-se embora. Eu falava com ela o tempo todo, baixinho, muitas vezes coisas sem nexo, só para a embalar com a minha voz.
Lembro-me de uma noite em que estava muito frio e eu não abri a janela. Ela voou duas ou três vezes em circulos, batendo com as asas na janela – que eu corri a abrir, evidentemente. E assim se passaram umas semanas, talvez um mês com a minha amiga alada a fazer-me visitas diárias. Um dia, vinha da estação a subir a rua e, para meu espanto, aí estava ela, alto no céu ainda claro, a acompanhar-me a casa. Desde esse dia deixei de subir aquela rua sozinha. Tinha sempre a minha amiga lá no alto a vigiar-me.
Contei de novo aos meus filhos e desta vez não duvidaram. Chegaram mesmo a presenciar a minha Branquinha (como comecei a chamar-lhe) a ir-me buscar à estação.
Chegou o Verão e entrei em férias. Durante quase duas semanas deixei de ver a Branquinha e, desgostosa, pensei que nunca mais a veria mas, passadas duas semanas, lá estava ela na varanda e piava imenso como se me quisesse dizer alguma coisa.
Nessa altura já tinhamos descoberto onde ela tinha o ninho. No campanário da Capela Mortuária de S. Amaro de Oeiras que ficava mesmo em frente da minha casa. Fui buscar os binóculos e, cheia de alegria, verifiquei que estavam duas coisinhas penugentas no ninho, a gritar. A Branquinha tinha vindo dizer-me que tivera dois filhotes.
A minha amizade com a Branquinha durou todo o Verão mas, em Outubro, terminou da pior maneira.
O telhado da capela precisava de obras, vi estarem a pôr os andaimes e tremi pela Branquinha. Falei com os trabalhadores, avisei-os do ninho, pedi para terem cuidado... mas já foi tarde. Riram-se e disseram-me que tinham destruído o ninho e morto a curuja e as crias.
- Curujas dão azar, é acabar-lhes com a raça – responderam.
A dôr e a raiva que senti quase me fizeram odiar aqueles homens e desejar-lhes tambem a morte tal como tinham feito à minha amiga, indefesa contra a estupidez, ignorância e maldade humanas.
Uma história terrível.
Mas não percebo o espanto da forista Guida. O problema deste país é que a maior parte das pessoas "são assim" e "pena" é uma palavra demasiadamente suave para definir tal situação. "Vergonha" seria melhor.
Bonita história com um final tão triste...
Que te fique o consolo de que durante um breve período foste honrada com a amizade de um nobre animal que, apesar da ignorância e superstições do povo, simboliza a ciência, os estudos, a inteligência, companheira da deusa grega Atena.
Quem sabe ela não andava a dar-te uma forcinha enquanto estudavas...
"Curujas dão azar"... tomara que sim... a quem lhes quer mal e a qualquer outro animal!!!
É uma história fantástica... mas com um final muito triste, triste e revoltante (não é dessas em que no final são todos felizes)... e infelizmente é apenas um exemplo de tanta "gente" que prolifera por este mundo, sem qq respeito pelos animais.
ó pá que pena acabar assim a história. Mas ao menos os teus filhos nunca farão isso... Enfim quanto ao resto da humanidade ... Uma das coisas que dei ao meu sobrinho quando ele era pequenino foi um livro sobre uma coruja simpática (depois de ter ouvido os sogros da minha irmã a dizerem que elas davam azar). Acho que ele gosta de corujas e não faria mal a uma. Faz-se o que se pode para mudar as mentalidades.
Não sei se já leste os livros do Harry Potter mas a tua descrição só me lembra da coruja dele. Se eu fosse a tia dava uma vista de olhos por um.
Fico com o coração pequenino quando penso no que a bichinha deve ter sofrido ao morrer e vêr as suas crias morrer.
Só podia ser teu !
Bem me chamava a atenção o artigo mas ainda não tinha tido tempo de o ler!
Realmente o fim da tua amiga muito triste...demais mesmo! Mas vamos só pensar nas coisas boas que vocês viveram : adorei a ideia de cantares para ela ! E as descrições estão tão bem feitas que quase posso imaginar vocês as duas a subir a calçada trocando pensamentos sobre o dia ....
Em relação a esses senhores que fizeram o que fizeram, lembrei-me agora duma história que eles deviam de ler, era duma colecção que tive chamada ‘As histórias do Avozinho’: Tratasse de um camponês que à noite ficava furioso quando ouvia o piar de uma coruja , tanto andou que a matou e para avisar qualquer outra que por lá aparecesse o palerma espetou a cabeça do bicho numa estaca bem à vista , nunca mais ouviu mais nenhuma, claro. Só que logo de seguida perdeu a seara toda e tudo o que tinha já armazenado! Porque tudo neste mundo tem uma razão de ser e as corujas alimentam-se de pequenos ratinhos que em grandes quantidades fazem grandes estragos!!!!
É a ignorância que está a pôr o nosso mundo em risco . Ignorância e não só o egoísmo, a maldade sei lá ! Não te questionas onde vamos parar assim?
Que história incrivel. Os animais conseguem realmente pereceber quem lhes quer bem. Fiquei gelada ao visualizar o fim deste animal, e o que dói, é saber que este tipo de barbaridades são cometidas todos os dias por "coisas" que se dizem pessoas, e que são indignos do ar que respiram.