Artigo retirado de: http://www.felinus.org/index.php?area=artigo&action=show&id=225 Autor: ZicaCabral (Zica CAldeira Cabral) [ Europe/Lisbon ] 2004/05/22 10:51 |
Uma Amiga Especial |
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(ou a história da Coruja Branquinha)
- Tenho uma curuja branca na minha janela, tenho uma curuja branca na minha janela, abram a porta devagarinho se a querem ver mas não façam barulho... E cantei isto procurando uma melodia mais ou menos monocórdia para que a curuja não se assustasse mas, claro, as crianças excitadas abriram a porta com força e, aos berros, perguntaram onde estava a curuja. Ainda a conseguiram ver levantar voo e assim acreditaram no que tinha contado. A partir desse dia as visitas eram diarias. Ficava 10 minutos, às vezes um pouco mais, dava uma volta por cima da minha mesa e ía-se embora. Eu falava com ela o tempo todo, baixinho, muitas vezes coisas sem nexo, só para a embalar com a minha voz. Lembro-me de uma noite em que estava muito frio e eu não abri a janela. Ela voou duas ou três vezes em circulos, batendo com as asas na janela – que eu corri a abrir, evidentemente. E assim se passaram umas semanas, talvez um mês com a minha amiga alada a fazer-me visitas diárias. Um dia, vinha da estação a subir a rua e, para meu espanto, aí estava ela, alto no céu ainda claro, a acompanhar-me a casa. Desde esse dia deixei de subir aquela rua sozinha. Tinha sempre a minha amiga lá no alto a vigiar-me. Contei de novo aos meus filhos e desta vez não duvidaram. Chegaram mesmo a presenciar a minha Branquinha (como comecei a chamar-lhe) a ir-me buscar à estação. Chegou o Verão e entrei em férias. Durante quase duas semanas deixei de ver a Branquinha e, desgostosa, pensei que nunca mais a veria mas, passadas duas semanas, lá estava ela na varanda e piava imenso como se me quisesse dizer alguma coisa. Nessa altura já tinhamos descoberto onde ela tinha o ninho. No campanário da Capela Mortuária de S. Amaro de Oeiras que ficava mesmo em frente da minha casa. Fui buscar os binóculos e, cheia de alegria, verifiquei que estavam duas coisinhas penugentas no ninho, a gritar. A Branquinha tinha vindo dizer-me que tivera dois filhotes. A minha amizade com a Branquinha durou todo o Verão mas, em Outubro, terminou da pior maneira. O telhado da capela precisava de obras, vi estarem a pôr os andaimes e tremi pela Branquinha. Falei com os trabalhadores, avisei-os do ninho, pedi para terem cuidado... mas já foi tarde. Riram-se e disseram-me que tinham destruído o ninho e morto a curuja e as crias. - Curujas dão azar, é acabar-lhes com a raça – responderam. A dôr e a raiva que senti quase me fizeram odiar aqueles homens e desejar-lhes tambem a morte tal como tinham feito à minha amiga, indefesa contra a estupidez, ignorância e maldade humanas. |