Devo ter tido donos que me amaram e me desejaram em bébé como aos pequeninos que agora procuram casa e que estão aqui ao pé de mim (um, até é parecido comigo quando eu era bébé) .
Cresci e não sei porquê já não me quiseram mais. Eu sempre fui um gato simpático e muito sossegado. Deixavam-me sair e assim, numa daquelas lutas de gato apanhei FIV. Mas era saudável e não foi essa a razão do meu abandono. Apenas se fartaram de mim. Já não era bébé, vieram os bebes humanos e eu fiquei para trás, esquecido de tudo e de todos.
Fui parar à UZ onde tinha tecto e comida, mas não era a minha casa. Como tinha FIV estava num gatil muito simpático e com umas pessoas muito simpáticas a tratarem de mim. Mas por muito que fizessem eu não me apetecia levantar. Ia comer, deixava fazer festas, tratar, nunca refilava. Elas bem me desafiavam, sobretudo a Ana, a Sara, a Raquel, a Ana C., a Maria da Luz, a Fatinha que lá trabalhavam e velavam para que estivesse tudo limpo e não faltasse a comida nas muitas tigelas. Mas eu estava triste.
Onde estava a minha família, a quem eu tinha amado tantos anos? Durante uns 6 anos foram a minha família. A minha cama, a cozinha onde gostava de espreitar o jantar? A cama dos donos?
Fui ficando mais triste. A Raquel dava-me muitas festinhas, a Ana dava-me desparasitante e outras coisas dessas que eu não gostava mas que sei que era para meu bem.
A Ana deu-me o nome de Vicente como o Santo Patrono de Lisboa. Mas eu estava sempre triste. Então um sábado fiz força e levantei-me. A Ana C tinha limpo tudo, a Noggy ajudava e eu fui fazer festas à Raquel. Queria-me despedir, queria avisar que eu não queria viver assim sem a minha família que me tinha abandonado. Como eu tinha FIV ninguém se ofereceu para me adoptar.
Fiz muitas festas e ronron. Elas todas ficaram contentes, eu queria dizer-lhes que me estava a despedir.
Três dias depois estava doente e internado. Tentaram tratar-me mas eu não queria. Não queria comer.
A Ana R levou-me para casa pensando que ali eu ia comer. Fazia-me soro, dava-me vitaminas e papas que trazia do veterinário. Eu deixava, ela parecia feliz em acreditar que me estava a fazer alguma coisa. E quando ela ia ver o telejornal e ficava triste por causa dos fogos eu ia para o colo dela e fazia ronron. Ela conversava muito comigo. Eu era um bom ouvinte.
Os pequeninos brincavam e eu pensava " será que vão ter donos que depois os vão abandonar quando eles já não forem pequeninos?" E pedia à Deusa dos gatos para os proteger.
Ontem achei que chegava. Não quis mais ver a Ana. Virei o focinho para a parede e não mais olhei para ninguém. Fui para ao pé da janela onde estava fresco e ali fiquei e não me mexi mais. A Ana veio falar comigo e acho que percebeu que eu me queria libertar deste meu corpo que só me dá desconforto.
Hoje levou-me a uma doutora muito querida que disse que eu tinha um tumor no fígado e que nos meus olhos percebeu que era a hora. E assim calmamente, com muitas festinhas deixei este mundo.
Obrigada a todos os que me quiseram dar carinho. Pelo menos não morri no gatil morri numa casa onde passei os meus últimos 15 dias pensando quando estava ao colo da Ana, que tudo estava bem, e que tinha uma casa outra vez.
Aos bébés iguais a mim desejo muito mais sorte e donos que não os vejam como brinquedos mas como seres vivos com quem vão partilhar uma vida.
Hoje sou livre. não estou mal disposto, não me doí nada. A minha alma de gato (quem disse que os gatos não têm alma) velará por vocês. Obrigada Anas, Raquel, Noggy, Sara, e a todos quantos trataram de mim. Obrigada madrinha por me teres ajudado a ter melhor comida e tratamentos. Tenho pena de não te ter conhecido. Obrigada Ana C., tu sabes porquê. Obrigada Raquel pelas festinhas, Sara pelos balões. Noggy toma conta do Vasco que até está mais gordinho. Ele é simpatico.
Vicente
(Autora do texto: Ana Ramos)
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