Artigo retirado de:
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Autor:
Becas (Fernanda Ferreira) [ Europe/Lisbon ] 2008/04/29 15:07

Quando o comportamento dos cães se lê nas entrelinhas

Os cães não falam, mas há quem se dedique a tentar entendê-los.

Conhece alguém com um diploma em Psicologia Canina Avançada? Alexandra Santos tem um. Mas, ao contrário do que possa pensar, não deita os animais no divã nem fala a língua deles. Chega ao cão através do dono. Não gosta de ser considerada psicóloga canina, porque, garante, para aquilo que faz "não basta gostar de cães, é preciso gostar de trabalhar com pessoas". Diz-se treinadora de comportamento.

Com seis anos de formação no Reino Unido, África do Sul e Canadá, esta profissional aposta no estudo e contacto permanente com outros treinadores comportamentalistas - que se dedicam à análise dos comportamentos problemáticos dos animais e à sua correcção - e veterinários.

Para Alexandra, as actividades do treinador e do veterinário complementam-se. Uma vez, foi contratada para tratar um épagneul bretão agressivo que já tinha passado por seis veterinários. Cada um implementou um método diferente, sem resolver o problema. A treinadora notou um padrão no comportamento do animal: solicitava afecto, mas depois ficava com o olhar vazio e mordia quem estivesse por perto. Acabava prostrado, parecendo não se aperceber do que tinha feito.

Alexandra suspeitou de um problema neurológico e pediu a um veterinário que fizesse uma TAC ao cão. Chegou a pedir desculpa por estar a intrometer-se numa área que não era a dela. O exame mostrou que o cão tinha várias microfracturas no crânio que lhe comprimiam o cérebro. "Teve de ser eutanasiado. Foi o que eu chamo uma vitória amarga. Descobri o que era, e para quê?", lamenta ao DN gente.

Alerta para a existência de treinadores sem conhecimentos de comportamento: "São os chamados treinadores de domingo. A profissão não está regulamentada e pessoas que não procuram obter formação e credenciais auto-intitulam-se treinadoras. Isto para mim é muito preocupante."

Estes treinadores fazem uso de estranguladores, coleiras de bicos e aplicam castigos que, para Alexandra, têm a sua base em "teorias Walt Disney". A treinadora trabalha com dois estímulos principais no seu "método positivo": ou dá ao animal uma recompensa ou a retira. É assim que ele aprende a identificar o comportamento desejável, pela repetição do estímulo da recompensa.

A base científica deste trabalho alia-se, muitas vezes, à criatividade do treinador. Alexandra teve entre mãos um caso que o prova: um pastor alemão treinado na Força Aérea que atacava qualquer pessoa que estivesse à sua frente, quando trazido pela trela. Percebendo que ele estava treinado para fixar os olhos das pessoas antes de as atacar, a treinadora experimentou usar óculos escuros. Resultou. O cão ficou tão confuso que já não sabia o que fazer, dava voltas, investia mas não atacava. "Comecei a dar-lhe comida e a fazer brincadeiras quando ele estava à trela, para ele passar a associá-la a algo agradável", conta, satisfeita.

A treinadora evita, no entanto, trabalhar com cães agressivos, porque os donos tendem a entrar em negação, minimizando a gravidade do problema. " Tal como um alcoólico, um cão agressivo nunca está curado. Corre sempre o risco de recaída." Por isso, não garante a reabilitação completa de um cão agressivo e tem, nesses casos, "tolerância zero": ou o dono colabora ou termina o relacionamento profissional.

Alexandra Santos discorda da designação de "raças potencialmente perigosas". Acredita que qualquer cão é potencialmente perigoso, dependendo da sua educação e carga genética.

Para ela, é importante que os cães sejam sociabilizados desde muito cedo, porque "muitos dos problemas de comportamento têm origem na falta de sociabilização". Alexandra quer fazer campanhas e acções de formação para promover a sociabilização e prevenir as crianças de serem mordidas por cães.

"A fase de socialização está entre as três e as 20 semanas. O dono do cachorro deve pedir a muitas pessoas que vão a sua casa brincar com ele, proporcionar-lhe o convívio com outros cães saudáveis e amigáveis, e habituá-lo a andar de carro e a ouvir todo o tipo de ruídos", recomenda. Para Alexandra Santos, "o treino não é um luxo, é uma necessidade. Infelizmente, as pessoas só contratam um profissional depois de terem tentado tudo".

Autora: TATIANA PEREIRA

Diário de Notícias, 26 de Abril de 2008