A Mimosa era triste. Não porque fosse velha ou doente, mas porque era simplesmente triste. A sua vida de apenas 6 anos tinha sido complicada até ali. Fora adoptada por uma familia de mãe e dois filhos pequenos. A dona era meiga e dava-lhe mimos. Os garotos eram activos mas não a aborreciam. Só que a Mimosa passava muito tempo sozinha, sem nada que a distraísse. Eram horas e horas de solidão que a Mimosa arrastava pela casa atenta a qualquer ruído que lhe sugerisse companhia.
Um dia, a solidão tornou-se mais longa. De um dia passou a dois, três... e a Mimosa começou a ter fome. A ração tinha acabado na véspera e ninguém lhe foi encher a tigela. Resolveu miar perto da porta da rua. A Mimosa nunca miava. Só fazia ronron e abria a boquita cor-de-rosa numa simulação silenciosa de miado. Naquele dia miou. E miou tão alto que a vizinha ouviu. Ouviu e estranhou. Será que era a Mimosa a miar ou haveria naquela casa outro gato? Ficou atenta. O miado continuou. Deu a volta pela varanda, bateu no vidro mais próximo e chamou. A Mimosa veio espreitar e voltou a miar. A Vizinha começou a pensar que há uns dias não sentia actividade por ali nem as crianças a fazer barulho. Será que deixaram a gata fechada em casa tanto tempo? Não tinha os contactos e os miados da gata não lhe saiam dos ouvidos nem da cabeça. Será que tem fome e sede? como resolvo isto? voltou à varanda. Reparou que a janela mais distante tinha o estore corrido mas com uma fresta levantada. Julgou que o vidro estaria fechado mas não lhe pareceu. Pensou um pouco e resolveu experimentar se o cabo da vassoura chegava até ao parapeito desse janela. Chegava sim senhora. Mas como fazer para colocar um prato com comida e água através duma fresta e no cabo duma vassoura? voltou para dentro, foi buscar a pá de plástico e tentou atá-la com firmeza ao limite do cabo da vassoura. Pareceu-lhe seguro. Primeiro, iria experimentar a comida, depois a água. Assim, resolveu colocar uma pequena taça de plástico cheia de comida em cima da pá e tentou encaixá-la na fresta da janela. Conseguiu! mas agora como largar a taça lá e voltar com a pá para colocar a água? Deu um pequeno solavanco à pá, inclinando-a ligeiramente e a tacinha lá foi escorregando para o parapeito interior da janela. A água ia ser mais complicado. Lá experimentou e entornando quase metade, conseguiu lá deixar a taça. No dia seguinte, só teria que empurrar aquelas taças para dentro e colocar outras. Só que a gata não aparecia naquela janela para comer. A vizinha começou a pensar se a porta de acesso àquela divisão não estaria fechada e então de nada serviu o esforço dela. Assim era, de facto. Começou a ouvir a Mimosa a miar lá dentro. Ficou desesperada. Então decidiu agir pela forma mais prática. Foi buscar um martelo e partiu o vidro da janela que lhe ficava ao lado e onde a Mimosa miava para ela. A janela era antiga e de pequenos rectangulos de vidro. Haveria vidros partidos mas paciência. Também ia haver comida e água. Então durante uns dias a comida e água eram lá postas de fresco e o buraco do vidro cuidadosamente fechado com um cartão colado por fora com fita adesiva para a gatinha não sair. E todos os dias, mais ou menos à mesma hora lá estava a Mimosa a miar à janela a solicitar o farnel. E dos donos, nada, nem sombra. Era estranho o que se passava ali.
Certo dia a Mimosa não comeu. A vizinha pôs comida e ela ficou a olhar. Os olhos eram tristes e a expressão dolorosa. A vizinha trocou de comida e a Mimosa continuou a não comer. Será que há gente lá dentro e a gata tem comida a mais? não parecia! Chamou-a para lhe fazer a habitual festa na cabeça e a gatinha ficou no mesmo sítio. Estranhou, a vizinha. Que se passará com a gata? No dia seguinte a mesma coisa. Só que a gata já não saía dali. Ali ficava parada, a olhar no vazio, triste e solitária.
Ao terceiro dia, a vizinha decidiu puxar-lhe uma das patinhas com algum esforço e após algumas tentativas e sempre sem a largar, conseguiu fazê-la passar pelo pequeno rectangulo. Levou-a para sua casa. A Mimosa ficou parada, sentada a olhar para a sua nova companheira sem perceber muito bem o que lhe estava a acontecer. Foram dias a fio de tristeza e quase sem comer. O carinho e a paciência da vizinha venceram. A Mimosa reagiu. Começou a comer e andar pela casa. Os ronrons voltaram, mas a tristeza do seu olhar e da sua postura mantinham-se.
Certa vez, a vizinha levou-lhe um presente. Era uma gatinha pequenita, toda preta, alegre como um passarinho. A Mimosa olhou-a tristemente e voltou-lhe as costas. A gatita correu atrás dela sempre alegre e feliz, a tentar desafiá-la. Não conseguiu. Deve ter percebido que assim não cativava a Mimosa e então foi aninhar-se junto dela, muito quietinha e a ronronar. Pouco depois a Mimosa lambia-a toda e deitou-se com ela.
Chegara finalmente o dia mais feliz da sua vida e a vizinha jura que viu a Mimosa sorrir!...
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