Quem guarda a minha cama é uma ovelha preta muito grande. Junto dela está sempre outra mais pequena, três ursos, e uma almofada-gatinho.
Houve um tempo, em que junto deles todos havia uma ovelha branca. Quem entrava em casa não reparava. Era só um monte de peluches…
Ela parecia um peluche, no meio dos outros. Ninguém notava que estava ali um animal vivo. Mas eu sabia sempre que no meio das minhas ovelhas estava aquela Branquinha - a Branquinha Genoveva, a minha gatinha.
Quem entrasse na minha casa e descobrisse aquela ovelha no meio das outras, não ia saber que por detrás daquele olhar sereno e do ronron sonoro, que lembrava uma cafeteira, estava uma gatinha com um passado muito doloroso.
Quem olhasse para ela ali, feliz da vida, ia pensar que aquela gatinha sempre tinha vivido na nossa casa.
E quem via a minha ovelhita assim feliz não sabia que ela estava com os dias contados. Ela própria não sabia. Mas vivia como se não houvesse amanhã.
Era uma gata muito agradecida, e fazia questão de estar sempre a mostrá-lo. Era ronron a toda a hora. Só queria beijinhos e mimos. E dava beijinhos também. E dava turrinhas. Dava turrinhas em toda a gente e em toda a casa, nas portas, nos móveis, nos bonecos… em todo o lado ela dava turras! E nós, sabíamos que era para agradecer. Só quem a viu assim é que sabe a felicidade daquela gata ao ver-se numa casa.
A Genoveva tinha Insuficiência Renal. Quando veio andava constipada, e voava ranho por todo o lado. Já era muito velhinha. Para além disso era uma gata aparentemente frágil, porque era esquelética e já não se aguentava bem. Andava e corria… mas era como um gatinho bebé. Parecia sempre que ia cair. E de vez em quando dava tropeções. E às vezes escorregava e caía da cama, porque era fraquinha. Mas, apesar de ser muito fraquinha por fora, era uma gata muito forte por dentro. E era uma resistente.
Tinha vivido doze anos na rua, e daí trazia histórias muito tristes de pessoas más. Para uma gata de rua aguentou muito. Tinha uma filha inseparável, a Xanoca. Uma gatinha tartaruga bicolor linda e muito meiga, que também já foi adoptada e está muito feliz. Quando foi resgatada da rua, a Genoveva estava mesmo muito mal de saúde.
Foi viver para o gatil da União Zoófila.
Há uns meses atrás adoptei-a, porque ela estava muito doente e não ia viver muito tempo.
Adoptei-a no início de Março, e diziam que a minha gata não ia durar até ao Verão... Era uma gata que vinha com bilhete de ida sem retorno… só que ninguém sabia bem para quando…Mas ela tinha tanta força e vontade de viver que viveu ainda quatro meses comigo.
Ressuscitou algumas vezes durante a sua existência. Não sei se chegou a gastar todas as sete vidas... ou se gastou mais vidas do que tinha...
Não sei como aguentou tanto tempo tão doente. Às vezes penso que ela sabia que ia ter uma casa, e estava a aguentar até ver chegar esse momento. E como ela soube mostrar bem que valeu a pena esperar!
Viveu feliz. Só fazia birra na hora dos medicamentos e depois amuava. Mas isso durava pouco. Viveu as últimas duas semanas em casa da dra Vanessa da UZ, porque já estava muito mal, mas andava feliz da vida.
Era uma gata que não queria morrer. Só queria descansar. Mas mesmo doente ela andava feliz.
A IR venceu…
Para as pessoas que têm medo de adoptar gatos velhinhos, eu acho que a história da Genoveva devia servir de exemplo. A dela e a de tantos outros velhinhos e doentes que, como ela tiveram a sorte de saber o que era uma casa e não morreram no gatil.
Se tivessem visto esta ovelhinha no meio dos peluches na minha cama, iam saber que valeu a pena. Eu sabia que ela ia morrer quando a trouxe. Mas antes dela muitos morreram. Muitos que aparentemente estavam bem e deixaram de estar. Muitos gatos novos, muitos bebés. O que é ter os dias contados? A Genoveva era uma gata velhinha e doente. Mas não sabia que tinha os dias contados. E gozou cada um como se fosse o último.
A mim custou-me quando ela morreu, principalmente agora que fiquei com saudades dela. Mas não a ter adoptado por saber que ia custar quando ela partisse seria uma coisa egoísta da minha parte. Custa-me muito mais ver tantos gatos que estão mal e que não posso trazer.
Tantos gatos velhinhos nos gatis à espera de um dono que nunca chega… porque são velhinhos e podem morrer ninguém os quer… Tantos gatos bebés que são adoptados e morrem no dia seguinte por qualquer coisa que não estava prevista...
Por esta eu fico feliz, porque foi uma gata que eu consegui ajudar. E valeu a pena. Não foi mais um dos muitos gatos idosos condenados a viver e morrer nos gatis. Foi uma gata que ainda foi a tempo de ter uma casa e uma família e muito amor.
E não será esquecida. .
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