O Decreto-Lei n.o 118/99, de 14 de Abril, consagrou o direito de acesso das pessoas com deficiência visual acompanhadas de cães-guia a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público.
No entanto, a evolução das técnicas de treino e de protecção sanitária dos cães permitiu igualmente o treino de cães como meio auxiliar das pessoas com deficiência mental, orgânica e motora independentemente da limitação de actividade e participação que enfrentam, pelo que a referida legislação passou a ser manifestamente insuficiente para garantir o direito das pessoas com deficiência que pretendem utilizar cães como meio auxiliar da sua mobilidade, autonomia e segurança.
Assim, decide-se alterar a legislação em vigor, alargando o regime consagrado no Decreto-Lei n.o 118/99, Diário da República, 1.a série—N.o 61—27 de Março de 2007 1765 de 14 de Abril, às pessoas com deficiênciasensorial, mental, orgânica e motora e reconhece-se expressamente o direito de estes cidadãos acederem a locais, transportes e estabelecimentos públicos acompanhados de cães de assistência.
Adopta-se a terminologia harmonizada a nível nacional e internacional e passa-se a utilizar a designação mais lata de cão de assistência, por forma a abranger as várias categorias de cães de auxílio para pessoas com deficiência, nomeadamente os cães-guia, os cães para surdos e os cães de serviço.
Atendendo a que a utilização de cães de assistência contribui decisivamente para a autonomia, auto-suficiência e independência das pessoas com deficiência, bem como para a sua integração e participação na sociedade, só excepcionalmente são admitidas limitações ao acesso dos cães de assistência, nomeadamente nas situações legalmente previstas que resultem da salvaguarda de interesses essenciais ligados à saúde pública e segurança.
Com o objectivo de reforçar a garantia dos direitos das pessoas com deficiência e punir as condutas que restrinjam o exercício destes direitos e limitem a mobilidade, autonomia e independência destes cidadãos,
estabelece-se a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas singulares e das pessoas colectivas que violem as normas consagradas neste decreto-lei. O produto da cobrança das coimas aplicáveis reverte em parte para o Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P.
Esta iniciativa traduz a prioridade dada pelo XVII Governo à promoção da igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência e cumpre um dos
objectivos definidos no plano de acção para a integração das pessoas com deficiências ou incapacidade.
Foram igualmente tidas em consideração as propostas apresentadas pelas pessoas com deficiência que utilizam cães como meio auxiliar e as suas associações, bem como técnicos e especialistas no treino de cães de assistência.
Finalmente, salienta-se que se opta pela revogação do Decreto-Lei n.o 118/99, de 14 de Abril, e pela adopção de um novo diploma com o objectivo de garantir a simplificação e eficácia do regime aplicável e facilitar a vida dos cidadãos na concretização dos seus direitos e interesses legítimos.
Foi promovida a audição da Associação Nacional de Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Freguesias e das associações que representam as pessoas com deficiência que utilizam cães como meio auxiliar.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Assim:
No desenvolvimento da Lei n.o 38/2004, de 18 de Agosto, e nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 198.o da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1º
Direito de acesso
1—As pessoas com deficiência têm direito a fazer-se acompanhar de cães de assistência no acesso a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público.
2—Para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, considera-se cão de assistência o cão treinado ou em fase de treino para acompanhar, conduzir e auxiliar a pessoa com deficiência.
3—O conceito de cão de assistência abrange as seguintes categorias de cães:
a) Cão-guia, cão treinado ou em fase de treino para auxiliar pessoa com deficiência visual;
b) Cão para surdo, cão treinado ou em fase de treino para auxiliar pessoa com deficiência auditiva;
c) Cão de serviço, cão treinado ou em fase de treino para auxiliar pessoa com deficiência mental, orgânica ou motora.
Artigo 2.o
Âmbito de aplicação
O cão de assistência quando acompanhado por pessoa com deficiência ou treinador habilitado pode aceder a locais, transportes e estabelecimentos de acesso público, designadamente:
a) Transportes públicos, nomeadamente aeronaves das transportadoras aéreas nacionais, barcos, comboios, autocarros, carros eléctricos, metropolitano e táxis;
b) Estabelecimentos escolares, públicos ou privados;
c) Centros de formação profissional ou de reabilitação;
d) Recintos desportivos de qualquer natureza, designadamente estádios, pavilhões gimnodesportivos, piscinas e outros;
e) Recintos de espectáculos e de divertimentos públicos,
recintos de espectáculos de natureza artística e salas de jogo;
f) Edifícios dos serviços da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos;
g) Estabelecimentos de saúde, públicos ou privados;
h) Locais de prestação de serviços abertos ao público em geral, tais como estabelecimentos bancários, seguradoras, correios e outros;
i) Estabelecimentos de comércio, incluindo centros comerciais, hipermercados e supermercados;
j) Estabelecimentos relacionados com a indústria da restauração e do turismo, incluindo restaurantes, cafetarias, casas de bebidas e outros abertos ao público;
l) Estabelecimentos de alojamento, como hotéis, residenciais, pensões e outros similares;
m) Lares e casas de repouso;
n) Locais de lazer e de turismo em geral, como praias, parques de campismo, termas, jardins e outros;
o) Locais de emprego.
Artigo 3.o
Exercício do direito de acesso
1—O direito de acesso previsto no artigo anterior não implica qualquer custo suplementar para a pessoa com deficiência e prevalece sobre quaisquer proibições ou limitações que contrariem o disposto no presente
decreto-lei, ainda que assinaladas por placas ou outros
sinais distintivos.
2—Nos casos em que as especiais características, natureza ou finalidades dos locais o determinem, o direito de acesso a que se refere o artigo anterior poderá ser objecto de regulamentação que explicite o modo
concreto do seu exercício.
3—O direito de acesso não pode ser exercido enquanto o animal apresentar sinais manifestos de doença, agressividade, falta de higiene, bem como de 1766 Diário da República, 1.a série—N.o 61—27 de Março de 2007 qualquer outra característica anormal susceptível de provocar receios fundados para a segurança e integridade física das pessoas ou dos animais, ou se comporte de forma a perturbar o normal funcionamento do local em causa.
4—Os cães de assistência são dispensados do uso de açaimo funcional quando circulem na via ou lugar público.
Artigo 4.o
Cães de assistência em treino
1—O regime definido neste decreto-lei é igualmente aplicável aos cães de assistência em treino, desde que acompanhados pelo respectivo treinador ou pela famíliade acolhimento.
2—Consideram-se famílias de acolhimento as que recebem os cães de assistência durante a fase de socialização e adaptação do animal à convivência humana e que estejam credenciadas como tal.
Artigo 5.o
Credenciação
1—O estatuto de cão de assistência só é reconhecido aos cães educados e treinados em estabelecimento idóneo e licenciado que utilize treinadores especificamente qualificados.
2—O Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P.,procede ao registo e divulgação dos estabelecimentos credenciados para o treino dos cães de assistência.
3—A certificação do treino do animal como cão de assistência é feita através da emissão de um cartão próprio e distintivo emitido por estabelecimento nacional ou internacional de treino de cães de assistência
Artigo 6.o
Documentos comprovativos
1—O cão de assistência deve transportar de modo bem visível o distintivo a que se refere o n.o 3 do artigo anterior, que assumirá carácter oficial e que o identifica como tal.
2—O estabelecimento credenciado para o treino de cães de assistência emite um cartão de identificação para as famílias de acolhimento e para os cães de assistência em treino.
3—Sem prejuízo do disposto no número anterior, o utilizador do cão de assistência deve comprovar, sempre que necessário, o seguinte:
a) Identificação do animal como cão de assistência, tal como se define no artigo anterior, sem prejuízo da restante legislação aplicável, nomeadamente a referente à protecção de animais de companhia;
b) Cumprimento dos requisitos sanitários legalmente exigidos;
c) Cumprimento das obrigações relativas ao seguro de responsabilidade civil exigido nos termos do n.o 2 do artigo seguinte.
Artigo 7.o
Responsabilidade
1—No exercício do direito de acesso previsto no artigo 2.o, a pessoa com deficiência zela pelo correcto comportamento do animal, sendo responsável, nos termos previstos na lei geral, pelos danos que este venha a causar a terceiros.
2—O exercício dos direitos previstos no presente decreto-lei depende da constituição prévia de um seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por cães de assistência.
Artigo 8.o
Responsabilidade contra-ordenacional
1—A prática de qualquer acto que contrarie o disposto no artigo 2.o constitui contra-ordenação punível com coima de E 250 a E 3740,98, quando se trate de pessoas singulares, e de E 500 a E 44 891,81, quando o infractor for uma pessoa colectiva.
2—Adeterminação da coima aplicável faz-se em função da gravidade, da conduta e da culpa do infractor.
3—As forças de segurança são competentes para fiscalizar e levantar o auto de notícia.
4—A instrução do processo de contra-ordenação compete ao Instituto Nacional de Reabilitação, I. P.,cujo director é competente para a aplicação da coima, com faculdade de delegação.
5—O disposto no número anterior não prejudica a aplicação de outras normas sancionatórias pelas entidades competentes.
6—O produto da cobrança das coimas referidas no n.o 1 é repartido nos seguintes termos:
a) 50% para o Estado;
b) 30% para o Instituto Nacional para a Reabilitação,I. P.;
c) 20% para a entidade que elabora o auto de notícia.
Artigo 9.o
Remissão
A partir da entrada em vigor deste decreto-lei, todas as referências legais ou administrativas aos cães-guia consideram-se feitas aos cães de assistência.
Artigo 10.o
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei n.o 118/99, de 14 de Abril.
Artigo 11.o
Cláusula de salvaguarda
Consideram-se legalmente constituídos os estabelecimentos de treino de cães como meio auxiliar das pessoas com deficiência em funcionamento antes da entrada em vigor do presente decreto-lei, desde que respeitem o disposto no n.o 1 do artigo 5.o
Artigo 12.o
Disposição transitória
Até à entrada em vigor do diploma orgânico do Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., as competências atribuídas no presente decreto-lei a este orgaDiário da República, 1.a série—N.o 61—27 de Março de 2007 1767
nismo são exercidas pelo Secretariado Nacional para a Integração e Reabilitação das Pessoas com Deficiência.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 30 de Novembro de 2006.—José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa—Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita—Luís Filipe Marques Amado—Fernando Teixeira dos
Santos — Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira —Alberto Bernardes Costa—Mário Lino Soares Correia—José António Fonseca Vieira da Silva—António Fernando Correia de Campos—Maria de Lurdes Reis Rodrigues—Maria Isabel da Silva Pires de Lima—Augusto Ernesto Santos Silva.
Promulgado em 28 de Fevereiro de 2007.
Publique-se.
O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA.
Referendado em 2 de Março de 2007.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. |