Algumas pessoas dizem-me – às vezes mesmo na minha cara – que pertenço à categoria dos seres humanos mais infelizes do planeta. Na opinião deles, sou “amaldiçoado” porque no dia em que nasci, Deus decidiu presentear-me com uma deficiência.
Não desejo ser rude com tais pessoas, mas acho que se Deus decidiu de facto destinar-me uma deficiência como se fosse um pacote de amor, então, honestamente, apenas posso agradecer-lhe.
Porque quando me deu a minha deficiência física, aparentemente certificou-se de enviar também, nessa entrega especial, os seus anjos melhor escolhidos. Enquanto a maioria das pessoas só pode contar com um anjo da guarda, eu tenho três.
Só que esses visitantes angelicais – em vez de possuírem asas gigantescas e incómodas – têm caudas que abanam ininterruptamente. O mundo pode considerar-me azarado porque uso uma cadeira de rodas, mas com os meus cães especiais, à minha volta dia e noite, a providenciarem-me auxílio e terapia com animais, sinto-me a pessoa mais afortunada neste planeta.
Soo, o meu Golden Retriever, um “assistente de escritório” altamente treinado, que apanha esferográficas, papel usado e mesmo os livros que deixo cair no chão, fez oito anos no mês passado.
Ele e eu tivemos algumas aventuras em alguns dos locais mais improváveis para um cão: o Conselho Malaio da Sida em Sentul, Kuala Lumpur, quando aí dei uma palestra; em Damansara Heights, quando fui convidado a fazer a cobertura da notícia das celebrações do 50º aniversário das organizações internacionais; e no seminário num hotel em Ipoh. Mas uma das minhas aventuras mais inesquecíveis com o Soo aconteceu há pouco tempo, numa visita a uma loja departamental popular.
Embora fosse a primeira vez para Soo, ele nunca me desiludiu. Esteve no seu melhor comportamento no elevador, mantendo o seu nariz inquiridor para consigo mesmo. Noutras oportunidades, cheguei à conclusão que poderia ensinar o grande cão a alcançar os botões mais altos do elevador com as suas patas, para ajudar as pessoas, como eu, que não chegam aos botões.
Ele também me ajudou puxando-me gentilmente pelas rampas de acesso.
Na casa de banho, apanhou o rolo de papel higiénico e outros artigos que ocasionalmente eu deixava cair, colocando-os ao meu alcance.
Pela primeira vez na minha vida senti-me seguro na casa de banho de deficientes – caso eu escorregasse e caísse, o Soo poderia ladrar ou sair e procurar ajuda.
Na secção dos “artigos frágeis”, o Soo não deitou nenhum dos delicados bibelots abaixo das prateleiras.
Durante todo este tempo, ninguém nos mandou embora. Pelo contrário, pareciam surpreendidos com a nossa presença – e com o facto de o Soo ter a minha carteira na boca dele.
Ficou claro que o que os clientes, seguranças e trabalhadores da loja testemunharam naquele dia varreu todo o preconceito ou percepções limitadas sobre deficiências ou cães. Tudo o que viram foi uma pessoa muito vulnerável, numa cadeira de rodas, a ser ajudado pelo seu cão.
Na última semana, o Conselho da cidade de Shah Alam emitiu-me gratuitamente uma licença para um dos meus cães de assistência, que por vezes vive com o meu melhor amigo Andrew Martin em Shah Alam, como parte do treino canino.
A licença foi emitida para uma casa geminada, embora até muito recentemente houvesse regulamentos severos, emitidos pelo Conselho, que proibiam quem vivesse em tais casas de possuir cães como animal de estimação.
Também a proibição sobre Rottweillers foi levantada em Shah Alam depois de eu ter mostrado ao mayor Zaba Che Rus um vídeo onde o meu cão me ajuda, emocional e fisicamente, a enfrentar o dia a dia numa cadeira de rodas.
A última decisão das autoridades de Shah Alam que dá especial atenção às pessoas com deficiência e aos seus cães especiais não tem precedentes.
Abre oportunidades ilimitadas para a terapia com animais para pessoas com deficiência no nosso país. Quando Deus dá deficiências, nunca se esquece de nos dar ajudantes especiais.
Escrito por Anthony Thanasayan em 29/06/2006.
Anthony Thanasayan, de 45 anos, é autor da coluna semanal “The Wheel Power”, sobre os direitos dos deficientes, no jornal malaico “The Star” (http://thestar.com.my) e treina cães para ajudarem os donos deficientes nas tarefas diárias. O escritor/treinador tem um Golden Retriever, Soolam, um Rottweiller, Vai, e um Lobo da Alsácia, Biman, que considera ser os seus salvadores diários e a quem deve a vida: “Como estou paralisado da cintura para baixo, não sinto nada nos membros inferiores, mesmo quando tenho feridas”. São os cães que o alertam, lambendo ou colocando o nariz no local da ferida. “Quando fazem isso, é hora de eu ver um médico e tratar a ferida. Se não fossem os meus cães, as feridas podiam ter-se tornado sépticas, o que poderia ter conduzido à minha morte”.
Traduzido e adaptado de artigos encontrados em www.dpi.org, por Filipa Bastos.
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