Autor: J. Paulo Coutinho | |
Por raro que seja ocorrem coisas agradáveis e de louvar, mesmo no cenário algo desolado e indiferente dos tempos que vivemos. Não, não foi o cronista a acordar particularmente esfuziante, olhando talvez o mapa com olhos demasiado...cor-de-rosa. Concretizemos sabe o leitor que, desde há poucos dias, a cidade do Porto conta com 238 novas árvores classificadas, isto é, doravante com estatuto legal de protecção? Fica então a saber. Porque, entre magnólias em S.Lázaro, plátanos e araucárias-da-Áustrália na Cordoaria, metrosíderos e palmeiras das Canárias no Passeio Alegre, ginkgos nas Virtudes, muitos exemplares notáveis receberam, finalmente, o título tão esperado e merecido.
A proposta, em devido tempo entregue à Direcção Geral das Florestas, e que conduziu à classificação, partiu da associação Campo Aberto (que se juntou a outra do Núcleo de Defesa do Ambiente de Lordelo do Ouro), obteve parecer positivo da Câmara Municipal e consta do "Diário da República"-II série, n.º 6,de 10/1/2005.
Mais exactamente, tratou-se de atribuir, a todas essas árvores portuenses, o estatuto de "interesse público" que nos termos legais pode ser outorgado a exemplares isolados ou a maciços arbóreos "que pelo seu porte, idade ou raridade se recomendem a cuidadosa conservação".
A verdade é que, ao contrário do que já sucede com o património edificado, continua a ser escassa a atenção devida ao património arbóreo, em particular no contexto urbano. Demasiadas vezes as árvores são sacrificadas no altar das "requalificações", tratadas como mobiliário citadino banal e ultrajadas pelas estúpidas podas mutiladoras. Não se vê como é fácil removê-las, eliminá-las simplesmente, em nome de obras mais ou menos estruturantes, mais ou menos urgentes, por vezes mais ou menos inúteis e como isso preocupa pouco quem decide? A qualidade do ambiente e da vida, numa cidade, pode, aferir-se através do cuidado com que são, ou não são, tratadas as árvores e os espaços verdes. Respeitar as mais antigas, ou que pertencem a espécies mais raras, ou ainda cuja silhueta já faz parte da imagem consolidada da urbe é um passo fundamental para a mudança de atitude face a seres excepcionais e magníficos.
Acresce que esta novíssima classificação vem aumentar, substancialmente, o números de árvores protegidas no Porto, visto que até aqui eram só quatro as beneficiadas, duas camélias e dois tulipeiros!
Em maré de eventos felizes, falemos do regresso anunciado das lontras ao rio Febros. A reintrodução de espécies selvagens no seu meio, onde sempre viveram, até que a insensatez humana lhes tornou impossível a existência, será sempre um motivo da satisfação. Mas quando uma tal operação,sempre complexa e difícil,decorre já em ambiente urbano, em pleno município de Gaia, então o caso merece referência especial. Iniciado pelo Parque Biológico,o programa consiste na gradual devolução de lontras ao rio Febros e pressupõe a criação em cativeiro dossimpáticos animais, retirados ao cativeiro ou encontrados feridos ou debilitados em vários pontos do País.
Um verdadeiro "projecto esperança" porque joga tudo na recuperação ambiental dos habitats, sobretudo na despoluição do martirizado rio, o que ainda está muito longe de ser realidade! Restaurar a Natureza, recompor os laços que permitem o regresso da biodiversidade, é afinal sempre custoso e demorado. Erros de décadas não se corrigem com varinha de condão, mas são projectos assim que nos mostram que ainda é possível, por vezes, ser optimista.
Autor: Bernardino Guimarães
http://jn.sapo.pt/2005/02/08/grande_porto/arvores_e_lontras.html
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