Os gatos das grandes àreas urbanas da América do Norte questionavam-se para onde estaria a ir a sua melhor comida. Agora já sabem! A moda pegou e também está a chegar cá. Os freegans vieram para ficar.
Freegan é um derivado do termo vegan – uma pessoa que não come carne nem produtos de origem animal por motivos éticos ou de saúde. Os freegans levam a ideologia mais além ao comerem comida jogada fora por lojas e restaurantes, com o objectivo de evitar o desperdicio e limitar o impacto que têm no ambiente. Afirmam que por não comprarem comida, estão a marcar uma posição politica de contestação perante a sociedade.
Fomos entrevistar alguns gatos de Lisboa para os questionar sobre esta concorrência inesperada. Junto ao aeroporto encontrámos o Lanzarote (assim chamado por ter tentado várias vezes embarcar para as ilhas Canárias), um gato de rua veterano. Lanza, foi assim que quis que o tratássemos, disse-nos: “Tenho um primo em Nova York e no último postal que me enviou, escreveu: "Esses tipos esquisitos, esses freegans - que, ao contrário de nós, não são sem abrigo, e até têm empregos – estão a comer as melhores coisas. Não nos incomoda que eles queiram boicotar uma sociedade capitalista e consumista, mas que culpa temos nós? Só queremos a nossa comida!". Lanza tem observado os passageiros que desembarcam no aeroporto de Lisboa na tentativa de identificar os freegans imigrantes. Já tem detectado alguns. “È fácil” diz ele “basta ver se se dirigem primeiro ao caixote do lixo ou ao tapete das malas.”
Vagueando pela cidade em procura de testemunhas desta nova corrente de pensamento, encontrámos um fugitivo, um ex-cão de guarda que apenas acedeu a identificar-se como “Mauzão”, que comentou: “Dantes podiamos fiar-nos nas sobras de bife das tascas do bairro, agora temos de estar atentos e correr para os caixotes assim que é despejado o lixo. A nossa vida depende disso.” Rangendo as mandibulas acrescentou: “ Mas como é que vamos competir com um grupo de miúdos que podem guardar as coisas em mochilas e que andam por aí a encher sacos de 20 litros com os nossos restos, a nossa comida?”
A palavra tem-se espalhado de gato para gato, de colónia para colónia, de animal amigo para animal amigo. E alguns acedem a partilhar connosco as suas experiências. A matriarca duma colónia felina da Lapa, Mãezona Gatazinha conta:” Ontem à noite, perto da peixaria, nada pudemos fazer, a não ser observá-los de debaixo dos carros estacionados. Levaram dois salmões inteirinhos, nem uma escama nos deixaram” lamentou.
Um gato da Mesquita da Praça de Espanha, agora conhecido por Abdul Islão, revelou ter começado a ficar preocupado. Uma noite, junto com outros nove crentes percorreu todos os caixotes do lixo da zona, sem encontrar um bocadinho de atum, restos de pizza, ou de peixe assado. Numa outra noite o grupo foi surpreendido por um bando de ratos que fugia em pânico. Ao andarem um pouco mais foram dar com um monte de freegans à volta dos caixotes do lixo, alguns já dentro dos caixotes a vasculhar. Seguravam latas de comida para gato. “Esses freegans seguravam deliciados as nossas latas, a poucos metros dos nossos narizes.“ lamentou-se Abdul, “Creio que pensavam ter encontrado patê. Depois dessa noite compreendemos o que estava a acontecer. Eles têm levado toda a comida, até mesmo a nossa comida!"
Alguns gatos de rua no entanto, recusam deixar-se intimidar e pensam em formas de conseguir competir com os freegans. Comissões de inquérito têm sido organizadas em todas as colónias e os gatos têm-se mobilizado para enfrentar este novo desafio. Nas cidades e nos suburbios, os gatos estão agora a incentivar os seus membros mais novos a desenvolverem as suas capacidades para superarem os freegans. Escolas de formação surgem pelos becos, onde os gatos com mais experiência ensinam os gatinhos a sobreviver a estes novos predadores. Cursos sobre como detectar uma fatia de queijo envolta em plástico enchem-se de alunos, e as especializações em queijo Cheddar e Mozzarella mantêm as aulas esgotadissimas.
"É uma situação que nos tem preocupado," diz Coral Marisco, uma gata dum escritório de importação e exportação de congelados da baixa pombalina. "Pelo que sei, os freegan que comem carne, dizem que desde que um animal tenha sido morto, é melhor usar a sua carne do que deixá-la ser desperdiçada”, acrescentou Coral.“Já ouvimos alguns dos mais magrinhos a discutir se alguns dos gatos da cidade não estariam melhor adormecidos e salteados em molho béchamel. E isso é que nos começa a preocupar mais".
Texto inspirado numa noticia verdadeira sobre os freegans, e dedicado ao Lanzarote do Catinho Fiv que viajou recentemente para outras paragens. Adeus gatinho amarelo, até sempre.
|