Alguns contributos para o fim da superstição do gato preto Autor: Oil, Angela Monte | | Para uns, um Deus, para outros, um Diabo, … apenas uma inofensiva criatura. |
Superstições e crenças continuam a fazer parte do nosso imaginário colectivo. Algumas são milenares e inofensivas, mas outras há no entanto, que assentes em temores irracionais e até numa certa dimensão mística, possuem consequências muito cruéis para alguns seres vivos.
No nosso país (com excepção de algumas áreas em que tal parece não acontecer), os gatos pretos ainda são muitas vezes olhados preconceituosamente e enxotados como se a cor lhes desse qualquer poder maléfico. Ironia das ironias, se efectivamente estes infelizes animais tivessem tais poderes, há muito que justamente poderiam ter posto fim às atrocidades que tão ignobilmente sobre eles foram cometidas.
Experimente perguntar a alguém que lhe diz que os gatos pretos dão azar, em que é que se baseia para dizer isso. A resposta é certamente… a ausência de resposta ou, pelo menos, de qualquer uma resposta que seja plausível e racional.
Ao longo da história do homem, os gatos foram adorados ou odiados com igual intensidade, equiparados a deuses ou a criaturas diabólicas e consequentemente, beneficiaram de tratamento real ou foram sujeitos a torturas difíceis de descrever e aceitar.
Autor: Peta, Angela Monte | | Inexplicavelmente, alguns continuam a acreditar que os gatos pretos são sinal de mau presságio. |
Nos tempos que correm, dificilmente poderemos falar em culturas que vejam o gato como uma ou outra coisa, mas infelizmente, a superstição quanto ao gato preto, persiste e faz moça.
Tal como a maioria das superstições, também esta assenta na ignorância e falta de informação, mas o que é certo que tem adeptos e descrimina uma elevada quantidade de gatinhos que nasceram com o pelo preto. E a verdade é que muitos destes desgraçados, sem que tenham feito algo que o justifique, são alvo de maus-tratos e desprezados, tornando-se muito mais difícil a sua adopção.
Para ilustrar esta realidade basta contactar qualquer associação protectora de gatos. Por exemplo, na União Zoófila, muitos dos gatos que permanecem no gatil são pretos e são também, muito frequentemente, pretos, os gatos que mais tempo levam a encontrar uma família. Esta descriminação leva a que existam gatos no gatil há mais de três, quatro ou mesmo cinco anos, que continuam a ver negado o direito ao amor e carinho de um dono, só pelo facto de terem nascido com o pelo preto. Para não falar da quantidade de gatos pretos que nascem e morrem na rua, porque nunca se lhes abriu uma porta.
Talvez possamos encontrar alguns sinais de mudança, e também é justo dizer-se que há pessoas que adoptam gatos pretos precisamente por saberem que são os que menos hipóteses possuem.
Não gostar de um gato preto por uma opção estética, parece um direito natural. Nem todos gostamos do mesmo, nem todos gostamos de gatos amarelos, brancos, ou tigrados, por exemplo.
Não gostar de um gato preto porque ele dá azar, é bizarro. Indo ainda mais longe, maltratar um gato porque é preto e praticar actos de crueldade ou tortura, é algo que permite legitimar comportamentos ditatoriais em que as pessoas também possam ser alvo de descriminação em função de parâmetros como, por exemplo, a cor do cabelo, da pele, ou nível de inteligência, comportamentos e regimes como o século XX, infelizmente, fez questão de nos mostrar.
Hoje ainda existem pessoas que acreditam que o gato preto trás azar e portanto defendem que esses animais devem ser exterminados. Quando perguntamos - porquê? A verdade é que não possuem resposta e se calhar, é até essa a primeira vez que se interrogam quanto à pertinência dessa verdade que lhe foi incutida, social e culturalmente. A origem do preconceito A origem desta descriminação surge antes de Cristo e atinge o seu auge na Idade Média, altura em que os gatos pretos são comparados ao demónio, por falta de compreensão do comportamento dos felinos, por acusações infundadas e por associação a comportamentos de algumas pessoas, que ao serem consideradas maléficos, foram imediatamente associados aos gatos pretos. A Perseguição Autor: Oil, Angela Monte | | Como se não bastasse esta associação ao Diabo, no imaginário medieval, o gato preto tornou-se inseparável da mística figura da feiticeira. Desta forma a perseguição lavada a cabo pela Inquisição, campanha contra supostas heresias e bruxarias, incluía a perseguição aos gatos pretos. Efectivamente, no século XV, o papa Inocêncio VIII (1432-1492) chegou a incluir o gato preto na lista de perseguidos pela Inquisição.
É evidente que é preciso contextualizar estes actos bárbaros. Não esqueçamos que estes eram tempos em que a morte de um pai, por parte do filho, era algo aceitável e quase natural, mediante justificações que hoje não servem sequer para nos livrar de pagar uma qualquer multa de trânsito. A barbaridade que se praticava sobre estes animais, não raras vezes, era idêntica à que se praticava sobre as pessoas.O Holocausto Durante alguns séculos o obscurantismo alimentado pela ignorância e temor a um Deus muito pouco misericordioso, fizeram milhares (milhões) de vítimas por esse mundo fora. Autor: Rosita, AnaC | | A Rosita é uma gata maravilhosa, com um pelo sedoso, meiga e com uns olhos magníficos. Esterilizada e saudável espera há anos (quase desde que nasceu) que alguém veja nela aquilo que é: uma gatinha carente e encantadora, que tem visto, em desespero, a vida a passar ao lado. |
Não deve ser exagero afirmar que o gato preto, terá sido das espécies mais martirizadas em todos os tempos. E mesmo hoje em dia, quando os tempos do obscurantismo medieval estão tão longe e a queima de bruxas é considerado um acto que envergonha a humanidade, ainda existe um absurdo manto de mistério em volta do gato preto.
Nos tempos modernos continuam envoltos em lendas e preconceitos, que não possuem qualquer outro fundamento que não seja a persistência da ignorância e da incapacidade em questionar a que propósito o facto de se nascer com pelo branco, amarelo ou preto, pode significar azar ou sorte para quem se cruzar ou possuir um destes animais.
A verdade é que com a instituição da superstição medieval, foi quebrada uma tradição milenar, pois os gatos na antiguidade eram reverenciados como divindades. Há dois mil anos, o gato era tido como animal sagrado no Antigo Egito. Bastet, a deusa da felicidade e da fertilidade, era geralmente representada por uma mulher com uma cabeça de gato, bem como o seu animal-totem, que igualmente era considerado um deus. Além de Bastet, Rá e Osíris, também deuses egípcios, ocasionalmente eram representados por figuras de felinos.
Em tempos mais recentes existem relatos de convicções que são a favor dos gatos pretos, por exemplo, Charles I, Rei da Inglaterra, possuía um gato preto que acreditava lhe trazer boa sorte. Ele tinha tanto medo de perder o gato, que o mantinha sobre vigilância dia e noite. Um dia depois da morte do gato, o Rei foi preso. Hoje em Inglaterra o gato preto é um animal ao qual se associa boa sorte e na Escócia, se um gato preto aparece na varanda de uma casa é sinal de prosperidade.
A Fedra nasceu na rua e foi adoptada ainda em bebé: sobrou da ninhada, mas para mim, foi a oportunidade de finalmente ter uma gatinha preta. Traquinas, brincalhona, sempre pronta a uma boa sonecazinha, mas também a investigar tudo o que a rodeia, é uma gata linda e muito faladora, que pede impaciente miminhos se chego a casa e não lhe faço as merecidas e desejadas festa, dando a barriguinha rechonchuda para uma festinhas tranquilizadoras. Adora ver televisão, ficando fascinada com os movimento e sons (ainda não desistiu e tentar entrar para dentro desta caixinha misteriosa). Como é evidente, é uma gatinha adorada. | Mas as lendas a favor destes felinos não foram suficientes para evitar a chacina que durou séculos e séculos, da mesma forma que não permitiu anular estas ideias infundamentadas que perduram, em parte, até aos dias de hoje.
A mudança impõe-se e cada um de nós pode e deve ajudar a promovê-la. Não se trata apenas de adoptarmos animais desta cor. Tão ou mais importante, é informar e contrariar o preconceito. Autor: Fedra, Adélia Costa | | A Fedra |
Estamos no Século XXI, um século que todos queremos de conhecimento, de descoberta, de saudável respeito pelo ambiente e pela natureza.
Ao animal doméstico são reconhecidas capacidades para nos tornar mais humanos, mais compreensivos, mais tranquilos. Nunca encontrámos ninguém que tenha tido o privilégio de partilhar a sua vida com um animal (cão ou gato) que não sinta que ganhou um companheiro e um membro para a família.
Há gatos meigos de todas as cores e há gatos mais distantes e altivos, também de todas as cores. O que não há seguramente, é gatos com poderes “sobrenaturais”, seja qual for a cor do seu pelo.
Autor: Tigre, Angela Monte | | Não acha que não existe nenhuma razão válida para continuar a olhar com receio para os gatos pretos? |
Eles podem ser mais ou menos brincalhões, mais ou menos amistosos, mais ou menos faladores, são definitivamente belos e elegantes, com uns olhos que nos fixam e nos lêem a alma e acima de tudo, são pequenos e indefesos seres vivos, que sentem, que sofrem, que procuram a companhia e o amor de um dono. E a cor do pelo não possui qualquer influência em nenhuma destas características.
O gato preto, há semelhança de qualquer outro gato, é um animal doméstico que apenas procura segurança, bem-estar e conforto de um lar para poder retribuir os bons tratos com turrinhas e ronrons.
Os gatos pretos, bem tratados, são expoentes máximos de beleza felina. Autenticas panteras negras, que graciosamente se movem, deixando-nos maravilhados com a perfeição e elegância dos seus movimentos. Tal como todos os restantes gatos, julgamos que são seres a quem a natureza privilegiou. Tudo neles é gracioso, o perfil, o olhar penetrante, vivo ou melancólico, de uma inteligência invejável, conseguem cativar com facilidade quem os estima.
Em rigor, percebe-se até mais facilmente que os gatos tenham sido elevados à categoria de deuses, tal o porte majestoso com que se deslocam, e com que por vezes nos indicam que não percebemos o que de forma tão evidente, nos estão a dizer, reduzindo-nos à nossa condição se simples humanos. Autor: Finha, Paulo Azevedo | | Pequenas e belíssimas panteras, de olhos inteligentes e brilhantes... |
Por tudo isto, olhe para a beleza e graciosidade do próximo gato preto que vir e se tiver que fazer alguma comparação, veja nele o símbolo da beleza. Lembre-se que injustamente tantos dos seus iguais sofreram por causa de mitos e preconceitos e veja nela apenas aquilo que ele é: um animal como os outros, que não tem nem mais nem menos poderes, que apenas aspira ao direito a uma vida tranquila, com amor e carinho, com segurança.
E se ele estiver à procura de um lar, porque não adoptá-lo?
O azar não lhe está a bater à porta, mas sim a sorte de ter encontrado um amigo que o vai divertir, encantar, animar e acalmar com a sua presença tranquila, nos bons e maus momentos.
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Texto: Adélia Costa, Ana Fernandes
Fotos: Adélia Costa, Angela Monte, AnaC, Paulo Azevedo
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