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A Gata e a Fábula

Autor: Fernanda Botelho

Editor: Editorial Presença

Ano de Edição: 2005

Formato: 23 x 15

Suporte: Livro

N.º Páginas: 240

ISBN: 9789722334068





Breve Descrição: «Fernanda Botelho, ficcionista e poetisa, publicou A Gata e a Fábula em 1960. Co-fundadora da revista Távola Redonda, na década de 50, juntamente com outros destacados autores da nossa literatura, integra-se num movimento a que Eduardo Lourenço chamou a metamorfose da ficção portuguesa.
A novidade destes autores, em relação a toda a literatura anterior, é que se distanciam de aspirações de combate contra os valores que o regime pretendia impor e se limitam a mostrar o seu esvaziamento. Fernanda Botelho foi uma das personalidades que mais genialmente soube expor esse fenómeno. Em A Gata e a Fábula trata a questão do lugar da mulher na sociedade, temática que, como núcleo, organiza toda a estrutura do romance. Provenientes de uma aristocracia nortenha, empobrecida, as mulheres tentam preservar o seu estatuto através do casamento que encaram, tal como a contraparte masculina, como um destino. Mas é justamente na geração dos mais jovens que o determinismo começa a falhar, em função de impulsos incontroláveis, por vezes violentos, por vezes grotescos, em personagens como os jovens Paula Fernanda ou Duarte Henrique. A riqueza dos recursos estílisticos, tão singulares, que caracterizam a escrita de Fernanda Botelho intensificam a dramaticidade deste universo. A Gata e a Fábula é um romance galardoado com o Prémio Camilo Castelo Branco.»

Observações: Colecção Grandes Narrativas

http://www.mediabooks.pt

Critica publicada no DN


PEDRO MEXIA
A Gata e a Fábula saiu em 1960. É o romance mais importante da primeira metade do percurso literário de Fernanda Botelho (que conheceu um hiato entre 71 e 87), e um dos mais poderosos romances sociais e psicologistas dessa época. Lido quarenta e cinco anos depois, na 6.ª edição, notam-se alguns elementos mais datados em termos de sensibilidade e linguagem (como as insistentes exclamações), mas não desapareceu uma dimensão inquietante e mesmo selvagem.

Depois de uma cena de abertura espantosa (com o atropelamento de um cão), somos introduzidos num universo que parece apenas mais uma versão do tema casarão minhoto & família opressiva em decadência social. O romance, bem entendido, também tem essa dimensão clássica. Mas o mundo patriar- cal oitocentista é boicotado pela existência de mulheres geralmente mais fortes que os homens, que são hamletianos ou ociosos. Ao contrário da tradição camiliana, não há aqui intenção de graça ou de empenho vernáculo Botelho quis escrever um romance violentíssimo e escreveu um romance violentíssimo, um teatro de paixões que, não sendo estranho a um persistente lastro romântico, exprime uma angústia aguda mais própria dos tempos modernos. No início, quando o elenco nos é apresentado ainda na infância (nos anos 40), temos logo uma infância corrosiva e danificada e a tese de que é difícil "atribuir à infância as coisas da infância". O que este texto consegue é justamente o prolongamento de uma situação infantil por toda a existência adulta das personagens, como se as sementes da crueldade já lá estivessem desde sempre.

A gata do título é Paula Fernanda, miúda indomável e agressiva que tenta seduzir Duarte Henrique, seu vizinho quase primo. Ele, tímido e timorato, recusa os avanços. Então ela amaldiçoa Duarte e promete vingança, nem que demore décadas. Depois disso, assistimos à história de um destino funesto que se desenvolve como obsessão e renúncia. Embora mantenha relações com meninas tendencialmente castas e chegue mesmo a emigrar (num sólido interlúdio belga), Duarte é puxado como um íman de volta à sua Messalina campestre e a um ajuste de contas antigas. O desejo e o ódio estão sempre misturados nesta odisseia da paixão pela animalesca criatura "Via-a de costas e, tal como estava, avultavam-se-lhe as imperfeições do tronco e das ancas, e todo o corpo indomesticado e solto se abria em perspectivas raras, de permanente desequilíbrio e indesmentida harmonia, um braço arisco sobre a mesa, um gesto brusco de deslocar a caneta e, por vezes, uma contorsão quase inverosímil a negar a existência duma ossatura indiscutivelmente rígida. Boneca de palha, pensou, a quem as pequenas iras e as intempestivas decisões (de que já tinha a experiência) garantiam, apesar de tudo, permanência de sangue e nervos num corpo com ares de invertebrado, pouco sociável e escorregadio como enguia" (pág. 152).

Fernanda Botelho não descura uma análise social mais típica, com famílias tradicionais que vogam entre uma religiosidade pouco saudável, a cupidez dos tesos e o snobismo antiquado "D. Luís Soares apresentara-se a cumprimentar o jovem visitante e, com o urbaníssimo fôlego que lhe vinha da convivência com os espíritos privilegiados, catequizou o jovem amigo sobre «a doçura do velho estilo de vida, imutável por graça de Deus», falou ainda «das cousas fabulosas do mundo condenado», referiu-se às desvantagens de se ser jovem e espirituoso num meio de fraca preparação, salientou o enlevo que «o seu trabalho pelo passado ainda e sempre lhe merecia» e depois, erguendo o corpo, a cabeça e os braços, apresentou protocolarmente e com fantasiosas justificações, as suas desculpas por ser obrigado «a ausentar-se da sala» e não poder, pelo facto, honrar como devia o seu amável hóspede. Certificava-o, porém, de todo o seu pesar, do que tomava Deus por testemunha" (pág. 222). Num excurso coimbrão, encontramos também um interessante esboço da boémia estudantil, pejada de miúdos pretensiosos e vagamente nietzschianos (onde se destaca Afonso, um sofista com conotações homossexuais apenas sugeridas).

Há mais que um figurante que aparece como "legítimo representante do romantismo jovial, com uma ponta de cinismo no olhar semivelado e uns restos de inocência impraticável nos gestos incompletos e no andar assimétrico" (pág. 153). É mesmo curioso como várias passagens conceituosas ou tortuosas lembram Agustina "O olhar vagueou duma para a outra, presa ao sortilégio duma e doutra, considerando ambas como símbolos, sem porém se dar conta de que as via como símbolos, ou pelo menos só muito ao de leve o notando, pois acreditava mais na sua ingenuidade que na sua complexidade" (pág. 29). Ou este excerto dum diálogo: "Era exactamente a tua decisão que te reduzia ao aspecto de rola desamparada. Toda a decisão traz o inconforto da insegurança. Uma nota só não faz melodia, e todos nós precisamos mais ou menos de melodia. A decisão tem ainda a desvantagem de conduzir à intransigência e eu não conheço coisa que me aborreça mais que a intransigência" (pág. 92).

O mais impressionante neste romance, para além do seu cerne obsessivo e quase primitivo, é a técnica narrativa usada. Fernando Botelho muda constantemente de focalização (passamos do monólogo interior de A para o monólogo interior de B ou para uma conversa num ápice), faz saltos temporais mesclados com parêntesis especulativos, mistura memória e fantasia sem linha óbvia e demarcação. Os diálogos geralmente não são naturalistas, de tão (satiricamente) pomposos ou palavrosos. E a prosa é quase sempre densa e nem sempre agradável, cheia de repetições propositadas e cenas surreais (como aquela, estranhíssima, em que Duarte tropeça num gato).

A Gata e a Fábula não é um romance gentil. A estratificação social é férrea, os laços familiares nada significam, as pessoas são brutas e miseráveis e sem miseri- córdia. É uma tragédia de promessas e vinganças que não acredita realmente na apologia da resignação que nos propõe. Uma jornada de auto-conhecimento que redunda em humilhação e num evidente cinismo amoroso "Uma mulher combina-se com um homem... e o que acontece? (...) Quantas possibilidades, desde o simples e apressado casamento no Registo Civil até uma Guerra de Tróia que durou dez anos, no primeiro caso um acidente familiar, no segundo caso um incidente diplomático! E, entre os dois extremos, outras variantes mais suaves: a possibilidade de não acontecer nada, quer dizer: mesmo nada; a possibilidade de rebenta-inspiração em poetas sonetistas; a possibilidade frágil e condenada do eterno triângulo escaleno; a da posse breve «vamos ali e vimos já»; um suicídio por desencontro; o crime passional pela razão contrária; o duelo lava-honras; e até o «casaram, foram felizes e tiveram muitos meninos»" (pág. 228).

Fonte: http://dn.sapo.pt/2005/09/16/artes/o_amor_e_animal_selvagem.html


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- Becas (Fernanda Ferreira) [ Europe/Lisbon ] 2007/11/10 16:01

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