Os movimentos das patas traseiras de Digo e Lola podem resgatar a esperança de pessoas obrigadas a locomover-se em cadeiras de rodas. O casal de gatos paraplégicos ainda não voltou a andar, mas já recuperou a sensibilidade e controle dos movimentos das patas traseiras graças a uma inédita terapia com células-tronco adultas desenvolvida por pesquisadores da Escola de Veterinária da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em parceria com cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA).
O trabalho é inédito e será apreciado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Somente após a liberação do órgão, poderá ser utilizado em humanos, em caráter experimental. A única referência conhecida de utilização de células-tronco em lesões de animais é o tratamento de contusões em patas de cavalos de competição, nos EUA. "Os resultados são uma promessa bastante positiva, mas levará de dois a três anos para que ele se transforme em procedimento médico", pondera o pesquisador-titular da Fiocruz, Ricardo Ribeiro dos Santos, 65 anos, que desde 2003 coordena, ao lado da pesquisadora-associada Milena Botelho Soares, 38, um grupo de pesquisa em terapia celular no combate à Doença de Chagas, com 30 pacientes.
Foi a partir desse know-how que os coordenadores do grupo de pesquisa em Biotecnologia Aplicada à Terapêutica Veterinária Paulo Henrique Palis Aguiar, 44, e Stella Maria Barrouin Melo, 44, resolveram implantar células-tronco em animais que estavam desenganados. "Diferentemente das pessoas paraplégicas, que vão para a cadeira de rodas ou para a cama, um animal com paralisia normalmente é indicado à eutanásia", compara Stella. "Eles não podem viver sem urinar e defecar, nem ficar se arrastando pelo chão e provocando lesões e feridas com exposição de ossos e músculos", explica.
Lesões - "É importante observar que não trabalhamos com cobaias, não provocamos nenhum tipo de lesão artificial para depois repará-la" , argumenta Aguiar. "E não fazemos isso não só porque essas lesões provocadas em laboratório não refletem o que acontece na vida real, mas principalmente por questões éticas", pondera. Digo foi atropelado e Lola caiu do sétimo andar. Ambos tiveram fratura com lesão definitiva de medula. "Não havia nenhuma perspectiva de melhora com tratamento conhecido. Ao contrário de pele, fígado e ossos, a medula não é um órgão regenerável", observa Euler Moraes Penha, 28, cirurgião veterinário que operou os dois animais na Clínica Planeta Animal, na Barra. Ambos os felinos foram submetidos à técnica conhecida como hemilaminectomia, mesma cirurgia usada em pacientes com hérnia de disco.
Durante o ato cirúrgico, foram implantadas nas áreas lesionadas células-tronco adultas extraídas uma semana antes. O material foi puncionado das medulas ósseas dos próprios pacientes e enriquecido em laboratório. Esse procedimento é considerado fundamental para o sucesso do trabalho, já que é numa solução de aminoácidos e vitaminas que as células são multiplicadas até que se chegue ao número considerado necessário para a implantação -
número esse que vem sendo guardado a sete chaves pelos pesquisadores, uma vez que se constitui num segredo científico.
Segundo a veterinária Gabriela Azevedo, uma das proprietárias da Planeta Animal, uma cirurgia como a de Digo e Lola não sairia por menos de R$ 700, sem contar os R$ 5 mil referentes à coleta e cutura das células-tronco, mais as diárias de R$ 150 pelo internamento dos animais. Tanto os pesquisadores, quanto a proprietária de Digo, funcionária da clínica, foram isentados de pagamento. "Temos interesse em atrelar a imagem da nossa clínica à tecnologia de ponta e mostrar que temos capacidade de sediar experimentos de alta complexidade", justifica Gabriela.
Fisioterapia - Na última semana, Digo e Lola ganharam mais uma aliada na dura batalha que travam com os próprios músculos para voltar a andar: a fisioterapeuta Cláudia Maria Bahia Pinheiro, 54, que passou a coordenar sessões diárias de exercícios. Embora tenha dedicado os 30 anos de carreira exclusivamente na recuperação de humanos, ela lança mão de sua experiência com ratos na tese de doutorado em Cinesiologia (estudo dos ovimentos) para criar um protocolo adequado aos seus mais novos pacientes.
"Primeiro tive de ganhar a confiança deles, agora treino equilíbrio e postura. Busco novos aminhos que já existem em outros lugares, mas que aqui na Bahia são inéditos", diz, referindo-se à ausência de fisioterapeutas especializados em animais no Estado. Digo e Lola voltarão a andar? Antes mesmo de formulada a pergunta, ela se adianta: "A esperança é que sim, mas como se faz com qualquer paciente, não se podem dizer as palavras 'sempre', e 'nunca'".
Por: Aurélio Nunes - Jornal A Tarde - Salvador - Bahia 02/05/07
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