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"Lindi Adeus"

[ Europe/Lisbon ] 2004/03/31 13:03 "Adeus"

Sábado, 27/03/2004. Foste até à porta da cozinha e emitiste um miado muito baixo, mais a intenção de um miado que um miado em si. Argumentei que não podia ser, podias ficar ainda mais doente. Novo miado, fraquinho mas o olhar era decidido. OK, Lindi, quem sou eu para te contrariar. E lá fomos para o quintal, a Lindi decidida apesar das pernas cambaleantes, eu armada em chaperon e paparazzi. Dirigiste-te para a terra e espojaste-te como o fazem os cavalos, com evidente prazer. Gostei de ver, já poucas coisas te davam prazer, e tirei muitas fotos. Fizeste uma ronda, pelas várias plantinhas, com direito a paragem para descanso junto ao alecrim. Até mordiscaste algumas ervinhas, tu que há tanto tempo te recusavas a alimentar-te. Adorei ver-te tão feliz. Mas escorreram-me lágrimas pela cara, só me lembrava da frase “do pó vieste, ao pó voltarás”, que tétrico. Afastei esses pensamentos. Contigo entre as ervinhas veio-me à cabeça um nome “filha das ervas”, no melhor dos sentidos. Eras a verdadeira filha da natureza. Com 7 semanas, quando te conheci, movias-te com um à vontade no quintal que a minha outra gata quase adulta não tinha. “Filha das ervas” una com a natureza, o planeta, o universo. Depois uma nuvem cobriu o Sol, o vento soprou ainda com mais força (estava um pouco ciclónico) e aproximou-se um grande macho felino com intenções duvidosas. Peguei em ti e voltámos a casa. Já nada mais te deu prazer, nem o Sol, nem a água e muito menos a comida. Tudo era sacrifício, os teus olhos ficaram vazios, havia confusão nas tuas acções. No Domingo apercebi-me que teria de tomar uma decisão, teria de pedir à vet para te adormecer de vez. Pensei que fosse sempre duvidar de quando era a altura certa, mas afinal não tive dúvidas, já nada fazia sentido, era altura de respeitar a tua vontade de adormeceres para sempre. Chorei e chorei, pedi aos deuses e às deusas, a Bast, para não ter de tomar uma decisão dessas. Eu que te ajudei a viver, como podia deixar-te morrer. Lutamos juntas tantas vezes contra tantas doenças que te assolaram. Prometi nunca te abandonar, acontecesse o que acontecesse, como podia agora fazer-te isto. Mas sabia que tinha de ser feito. Seria na 2ª feira à noite, estava decidida. Na segunda feira de manhã pedi ao Pedro para nos tirar uma última foto juntas, deixei-te na cama do escritório com um saquinho de água quente, almofadas fofinhas e coberta pelo edredon, tu pareceste apreciar o conforto na medida do possível. À hora do almoço, quando cheguei a casa estavas morta, no chão, junto aos pés da cama, os olhos abertos contemplando o infinito. Chorei, mas não tanto como isso. Já tinha percebido, depois daquele passeio no Sábado que o fim tinha de chegar, não se pode lutar para sempre contra o destino. Enterrámos-te no quintal de que tanto gostavas com muitas florzinhas amarelas. Um dia de Sol Lindo. Aliás durante quase 2 semanas praticamente não choveu e fez Sol todos os dias. No seguinte ao dia em que morreste recomeçou a chover.
Como sequer descrever o privilégio de contigo ter vivido? Como contar tudo o que me ensinaste? Eu, que achava que as gatas deviam ser mães, quando te conheci abandonada, maltratada, torturada, comecei a questionar, o que irá acontecer aos filhos dos filhos das minhas gatas? Quantos vão sofrer nas ruas? Quanto vão ocupar o lugar de Lindis lindas como tu que também têm direito a tudo de bom? E esterilizei todas as gatas desde então. Como explicar que tu, minha querida felvosa, em muitas clínicas do país, ao primeiro sinal de felv positivo terias perdido a vida? E ambas sabemos que a tua vida valeu bem a pena. Como explicar a grandiosidade da tua alma, que apesar de torturada em bebe, conseguiste voltar a confiar na humanidade, perdoaste e foste grande amiga e companheira? Como explicar a tua amizade e companheirismo sempre que me senti triste? Até na tua morte foste companheira e amiga leal, acima de tudo. Como explicar a tua perfeição, a tua independência dependente? Este é o meu imperfeito tributo à tua perfeição. Nunca te vou esquecer. E já sabes a tua comida, a tua caminha, a tua transportadora, os teus cobertorezinhos, o meu colo vão ficar disponíveis para o/a próximo felino necessitado que se cruzar no meu caminho. Muitos dos teus medicamentos já estão a servir para outros gatinhos. Penso que é a melhor forma de te honrar. Que descanses em paz. E que nos reencontremos um dia.

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Autor:
hecep (Helena Cepeda )

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